quinta-feira, novembro 04, 2010

Simplicidade

-Quanto mais simples é uma coisa mais se demora pra entender...

Meu avô sentado na varanda olhando o pôr do sol, as vezes ele falava coisas assim

-Ce tá falando do que vô?

-A vida, toda a vida, ela é na verdade bem simples a gente que se complica todo ficando adulto, e quando envelhece que percebe que passou a vida procurando algo que não precisava ser procurado, que na verdade estava bem ali o tempo todo 

Meu avô parecia mais falar pra ele mesmo, eu era um espectador do seu monólogo

-O que o senhor não precisava procurar vô?

Ele me percebeu ali, e se voltou da sua viagem interior, balançou o braço como sempre fazia quando mentia

-Nada, esquece, coisas de velho

No outro dia eu fui caminhando pra escola, não era muito longe e eu gostava de ir sozinho, o menino que era eu se sentia um quase-homem, ou Super-Moleque, eu conhecia todos as pessoas do caminho, só de observar, sabia os hábitos, os jornais que liam os pães que compravam, eu conhecia aquele mundo todo, sem aquele mundo todo me conhecer, até que meus olhos infantis encontraram uma menina nova, parada na porta da escola com a mãe segurando a mão eu não pensava em meninas, meu mundo era uma brincadeira, mas ali eu me lembro de ter sussurrado pra mim

-Um Anjo...

Ela tinha uns lacinhos azuis no cabelo, e carregava uma lancheira dos Power Rangers, Lembro que achei isso legal

Passei a aula toda olhando ela, eu sentava no fundo, era um rebelde juvenil, e enquanto meus amigos brincavam de forca eu olhava os lacinhos, como todo o menino que tem o primeiro amor eu era um pateta 

No recreio ela era novata, sentou sozinha em um canto do pátio, fui até lá e sentei do seu lado, eu ofereci uma maçã, eu tinha visto isso em algum desenho, achei que fosse funcionar, ela me olhou nos olhos e me beijou no rosto, meu rosto ficou vermelho e quente, ficamos conversando até acabar o intervalo. 

Isso se repetiu todos os dias até em um deles eu chegar na escola e ouvir que ela se mudara, pai militar ou algo assim, muitas transferências, eu não entendia disso, só entendia que não a veria novamente nunca mais, e isso eu sabia que era muito tempo.

Na volta pra casa eu encontro meu avô na varanda, sentado na cadeira de balanço com um olhar sereno

-O que foi menino? Por que essa cara? 

-Nada vô, nada

-É por causa de mulher?

-É...Ela foi embora...

-E estás sofrendo com isso?

-É...Doi...

-Quem deve sentir dor, é quem nunca amou na vida, o amor não traz dor menino, só o que ele pode te trazer é felicidade, Fique feliz por que você amou, fique mais se você foi amado, mas mesmo que ela tenha ido embora tu não tem motivo pra sentir dor, só felicidade por ela ter passado pela tua vida, levanta a cabeça e sorria garoto, por que a vida não traz nada pra quem fica chorando calado

-Valeu Vô...

-Amar na verdade é bem simples, Só o que se precisa  é entender isso..

Meu avô soltava essas frases do nada, e depois ficava calado, balançando na cadeira tão antiga quanto ele, observando aquelas palavras sumirem no por do sol. 

Eu ficava abismado, não entendia  ainda o significado, dessa frase tão simples e profunda, hoje eu entendo o que ele quis dizer, queria poder contar isso pra ele.


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