quinta-feira, dezembro 23, 2010

Por trás do espelho Capitulo 1 parte 3

Eduardo já caminha apressado na rua, as suas pernas vão seguindo o caminho habitual até a parada de ônibus, a sua mente continua no quarto, mais especificamente, na fotografia horrenda que acabara de ver, segue esbarrando nas pessoas, elas se viram, indignadas, gritam para o nada palavras pouco amigáveis mas ele não as ouve, não as vê, não percebe o mundo, caminha somente por instinto, tudo o que ele vê é o homem morto com uma faca na cabeça e a boca macabra aberta, Eduardo quase consegue ouvir o ultimo grito do homem, é quase como o ultimo som que um animal faz ao morrer, a ultima tentativa de se agarrar a vida.
-Animal...? Era um homem... Uma pessoa...
Claro, era uma pessoa, um ser humano, que provavelmente tinha família, esposa, filhos, tios e primos, era uma pessoa normal, como aquelas ali na rua, como aquela velha que sempre fica à espreita na janela observando os passos de todos, que é quase como um fantasma, nunca sai à rua, vive a vida escondidas, mas mesmo assim ninguém merece morrer, ainda mais daquele jeito, sozinho, torturado, que monstro faz aquilo com uma pessoa? Que tipo de pessoa pensa que é uma boa idéia matar outra? E quem foi o louco que pensa que é uma boa idéia mandar uma foto disso pra outras pessoas, o mundo é cheio de gente louca, alguém pensou que seria engraçado mandar a imagem de um cadáver pra outra pessoa, foi isso, algum pateta mandou as imagens, alguem do trabalho, da turma da faculdade, foi isso, o numero de quem enviou era desconhecido mas conheço tanta gente, foi algum otário, foi isso, claro, brincadeira idiota.
-Estupidez
Foi provavelmente coisa do Caio, ele que gosta dessas coisas, fica matando tempo no trabalho vendo coisas bizarras na internet, maluco, por isso as pessoas evitam ele, almoça sozinho sempre.
-Cara estranho …
Quando chega ao ponto de ônibus Eduardo é outro homem, esqueceu-se da foto, do medo, só lembra que tem que ir para o trabalho, a lembrança o deprime, Eduardo é técnico de informática em um grande banco, passa a maior parte do seu dia resolvendo problemas que qualquer nerd com espinhas no rosto resolveria em trinta segundos, ele odeia o emprego, considera seus colegas idiotas hipócritas, mas por algum motivo desconhecido nunca pensou em se demitir, seu subconsciente pensa que
é uma boa idéia mante-lo, e Eduardo obedece.
Eduardo faz o mesmo percurso quase diariamente a três anos, pega o ônibus com poucas pessoas, senta-se ao fundo, encontra as mesmas pessoas sempre, mas nunca dirigiu a palavra a nenhuma delas, só se senta e observa. A moça vestida de secretária de alguma grande empresa, cabelo castanho preso em um coque apertado, cara de poucos amigos, passa a viagem toda revendo anotações e consultando a agenda, que durante a noite deve ser mais interessante por que estranhamente tem arranhões nas costas, um hematoma no pescoço que indica um beijo mais selvagem e uma tatuagem tribal no tornozelo esquerdo que a meia calça não consegue esconder. O velho que se finge cego, usa bengala, óculos escuros e anda a cidade toda pedindo dinheiro, mas que quando “vê” uma mulher com seios mais protuberantes passar por ele tira os óculos para ver melhor e o motorista do ônibus, que é divorciado, tem a branca da marca da aliança no dedo anelar esquerdo, diabético por que tem marcas de agulhas no braço direito e não tem os sinais de um viciado em heroína ou qualquer outra droga injetável e canhoto pois o lado direito do seu rosto esta sempre mais barbeado que o esquerdo, Eduardo se diverte alizando estranhos, racionalizando suas ações, focando em detalhes e descobrindo sobre essas pessoas sem precisar falar com elas, é uma brincadeira interessante, mas para Eduardo não passa de uma brincadeira.

domingo, dezembro 19, 2010

Se Ozzy fala, eu não vou falar que não

Por trás do espelho Capitulo 1 parte 2


Eduardo abre os olhos e os fecha em seguida, a luz do sol nascente que invade o quarto os fere, machuca, seu corpo quer dormir novamente mas um som irritante não permite a mente de fugir, um apito insistente que aumenta pouco a pouco, em segundos se torna insuportável, reverbera pelo comodo como se ele estivesse em uma caverna profunda, o mundo se torna aquele som, o maldito som, até que Eduardo desiste, estende o braço direito, estica quatro dos seus dedos e apanha o celular da cadeira.
-Merda...
A tela do aparelho mostra em letras ofuscantes o motivo do alarme
-“Você tem três mensagens”
A mente de Eduardo comanda que seu corpo se sente para dar mais atenção ás mensagens, com um certo esforço o corpo atende à ordem, mesmo no quarto fechado ouve-se todo o som vindo da rua, os carros, os cães que latem a todo o estranho que passa e a conversa entre duas velhas sobre o filho de uma terceira, Eduardo sentado à cama divide as mãos em duas tarefas a mão direita se dedica a procurar o conteúdo da mensagem, a esquerda coça a barba, os olhos se acostumam à luminosidade, focam as letras e iniciam a leitura.
Você ganhou um CROSS FOX ! Ligue para 834423...”
-Besteira...
Passa para a segunda.
Edu, a gnt tem que se ver, ñ dá pra fcar assim, tô preocupada com vc, cê tá long, tá frio comigo, eu gsto de vc cara, ñ faz isso, me liga, logo! Ass Flávia”
-...Que droga Flávia...
Eduardo se levanta, anda pelo quarto, com as mãos na cabeça, lá fora o som aumenta gradualmente, os ônibus e as babás com as crianças que vão pra escola se juntam à fauna sonora, agora ele se sente completamente acordado, irritado e frustrado, não há nada errado com ele, ele sempre foi o mesmo, sempre foi assim, desde sempre, ela que mudou.
-desde sempre...
Joga o celular na cama e vai para o banheiro, lembra de ter sonhado algo sobre aquele banheiro, alguém gritando. Há um monte de roupas jogadas no canto, mas isso não importa agora.
-O espelho...
O espelho está lá, no mesmo lugar de antes, no mesmo lugar de sempre, o mesmo espelho,normal, desde sempre
-desde sempre
Abre a torneira na pia, ela emperra um pouco mas cede logo, Eduardo estranha, teve a impressão que seria preciso mais força, era só impressão, lava o rosto, e se olha no espelho, o rosto oval, os mesmos olhos negros, mas agora cansados, desbotados com cabelo preto rebelde na altura destes, tem um nariz comprido, fino, afiado, a boca fraca e descolorida, por falta de uso, o rosto é coberto de barba rala, que Eduardo apara diariamente, como um ritual, é semi religioso.
Eduardo depois de reconhecer e inspecionar o próprio rosto apanha barbeador, não usa creme de barbear, não vê necessidade, Flávia sim, reclama de como o rosto dele fica áspero. A lâmina atravessa sem vacilar os pelos que insistem em infestar a face de Eduardo, o contato do metal frio com a pele geralmente lhe causa arrepio, medo, repulsa, mas não agora, naquele momento o toque conforta, naquele instante é diferente, ali ele domina a lâmina, é uma sensação de poder, de superioridade, Eduardo de repente sente-se bem, esquece de Flávia, do trabalho entediante com colegas hipócritas, naquele momento isso não existe, Eduardo é pleno, é enorme, é gigante, é completo.
Banho tomado Barbeado, vestido e agora se sentindo miserável como sempre Eduardo se prepara para sair, apanha a mochila, a carteira, as chaves e avança para a cama, vai apanhar o celular, as letras ainda persistem brilhando fracamente na tela.
Você tem UMA mensagem não lida”
O polegar direito de Eduardo aperta o botão sobre o comando LER
IMAGEM 1000233 deseja abrir?”
Novamente o Polegar, agora sobre SIM
A imagem carrega lentamente e gradualmente os olhos de Eduardo se abrem e se aterrorizam, o rosto se contorce em horror, a boca solta um grito quase animal e a mão atira ,como quem quer afastar o próprio medo, o celular para longe, na tela brilhante do aparelho ,que agora repousa suave sob a cama, está a imagem completamente formada, a foto enviada expõe uma pessoa, um homem, em um lugar escuro, amarrado sentado á uma cadeira, e com os olhos parcialmente vendados, tem um objeto, algo muito semelhante a uma faca, uma faca comum de cozinha atravessando o lado esquerdo de sua cabeça, o rosto é irreconhecível, multilado por múltiplos cortes verticais, somente a boca se destaca, aberta ao máximo, escancarada, o homem morreu gritando, o sangue que jorrou pelos cortes e o golpe de faca agora era todo o chão, por toda a imagem ali congelada na fotografia, tudo o que se podia ver era o morto sobre a piscina macabra de seu sangue. 

sexta-feira, dezembro 17, 2010

Por trás do espelho Capitulo 1 parte 1

CAPITULO 1  DISSOCIAÇÃO
Um homem corre desesperado, fugindo não sabe do quê, sente o pulso acelerado e o medo correndo por todo o seu corpo, precisa escapar, precisa sobreviver, a rua é comprida, muito mais do que parecia inicialmente, os prédios nela não tem janelas ou portas, são grandes caixas de concreto iguais, todos muito altos que não se enxerga o topo, todos com o mesmo número 9 marcado com algo que parece muito com tinta vermelha e brilhante, a rua estrá estranhamente vazia, enquanto corre a sua sombra fica sempre fixa as suas costas, os postes de luz passam velozes, ele ouve sussurros por toda a parte, mas é como se eles viessem da sua própria mente, vozes que são cruéis, que debocham, vozes que dizem que ele vai morrer, ele não sabe como chegou ali, não sabe onde está, nem sabe do que foge mas ele não pensa nestas coisas, ele não raciocina, só corre, foge, como um animal prestes a ser abatido, O homem finalmente alcança o fim da rua, há uma parede enorme, com um numero 9 gigante marcado a fogo, a parede toca o céu, não consegue ver maneira de passar, não há fendas, portas, janelas, buracos, não há saída o homem se desespera, sente que vai chorar, o medo só cresce mais em seu corpo, as vozes na sua mente só crescem, o mundo ao seu redor fica escuro e as vozes se tornam enormes como um coral maligno:
-Vai morrer! Vai! Vai! Há há há há há ha! Vamos cortar o teu corpo, vamos comer teu corpo, por que teu corpo é nosso, por que teu mundo é nosso, por que nós somos tudo! Tudo!
Treme compulsivamente, se deita no chão em posição fetal e chora como uma criança, como um recém nascido, as vozes agora são tudo o que ele conhece, ele sabe que vai morrer ali, sozinho cercado dessas vozes que o torturam, ele só quer que seja rápido, quer parar de sofrer, quer sumir daquele mundo, quer desistir, quer parar de ser ele mesmo, quer ser outra pessoa e sussurra pra si baixinho
-quem?
As vozes param, tudo para, o medo o choro, o desespero, tudo se foi, agora ele está calmo e lúcido, está em pé, com roupas quentes, confortáveis limpas, está puro, a rua estranha se foi, sem mais prédios bizarros agora está em um circo, um circo bonito, está um dia claro, várias crianças brincam, não consegue ver os seus rostos, mas consegue ouvir as risadas, consegue sentir a felicidade, sente o calor vivo do sol, e derrepente sente a vontade de visitar uma velha casa que conheceu um dia, mal pensa e uma casa se materializa, está ali, as mesmas janelas antigas o mesmo cheiro familiar, há um menino sentado há porta, não parece ter mais de cinco anos, ele brinca distraído com uma libélula que emana luz, o seu cabelo muito preto cobre o rosto, com uma pequena vara de madeira ele persegue o inseto brilhante, o menino ri muito observando o inseto se desviar dos golpes do pequeno bastão de madeira, quando finalmente atinge o inseto este para de brilhar, agora é só um inseto comum, e quando ele finalmente morre o menino volta o rosto para o homem, a boca se contorce, o menino grita alto, um desespero quase insuportável, mas não há lagrimas, o menino não tem olhos, o dia fica escuro, o circo e as crianças desaparecem, tudo o que resta é a casa, as vozes começam a reaparecer, com elas o medo, o menino agora grita com uma voz grave, que não parece ser dele, a mesma palavra repetidamente:
-QUEM? QUEM? QUEM? QUEM? QUEM? QUEM? QUEM? QUEM? QUEM? QUEM? QUEM? QUEM? QUEM? QUEM? QUEM?QUEM? QUEM? QUEM?
O homem corre para dentro da casa, precisa buscar abrigo, precisa se proteger, passa por vários comodos iguais,várias salas de estar, todas com a mesma mobilia, todas iguais, até que para de súbito, não há como aquilo ser real, a casa, não existe casa assim, com múltiplas salas exatamente iguais, com os mesmos móveis antigos, a mesma vitrola, a mesma tevê, a sala não é real, a casa não é real, então nada ali é, nem o medo, nem as vozes, nada, ele está sonhando, o homem fecha os olhos e repete pra si:
-É só um sonho, acorda! Acorda!
O homem abre os olhos, está deitado na sua cama, dentro do seu quarto, fica aliviado em perceber que era tudo um sonho, se levanta e caminha até o banheiro, se olha o espelho, o reflexo olha de volta cansado, o homem tenta abrir a torneira, quer lavar o rosto mas a torneira está emperrada.
-Todo o dia é isso! Essa merda de torneira sempre!
O homem tenta abrir a torneira a força, ele projeta o corpo sobre a pia, as gotas de suor se formam no seu rosto, a torneira cede mas o homem se desequilibra, cai e derruba o espelho que se quebra com um barulho estridente, o homem corta a mão direita tentando se levantar.
-Merda! Que merda!
O homem se levanta, quer primeiro lavar o ferimento na pia, mas não há pia.
Ele olha para a mão ferida, não há ferimento
No chão não há sangue, nem há os cacos do espelho destruído
Ele olha de volta pra onde o espelho estava antes de tudo, ele está lá, no mesmo lugar, intacto
Ele fica aturdido, desorientado, há algo errado, o banheiro começa a tremer, o teto desaba mas os escombros não atingem o homem, eles simplesmente desaparecem, a estrutura toda cede, enquanto o homem observa tudo paralisado, só o que resta é o espelho, suspenso no ar. O homem escuta de súbito uma voz distante, é diferente das outras, uma voz que não amedronta, que não o oprime, que de alguma maneira desconhecida o conforta, a voz não vem da sua cabeça, mas sim do espelho.
O homem se aproxima
O reflexo se forma no espelho
O homem olha nos olhos da sua imagem
O reflexo sorria
O homem não
O reflexo abre a boca leve mente e sussurra
-quem?
O homem não responde
O reflexo repete a pergunta, em um tom mais agressivo
-Quem?
O homem fica confuso
-Eu não entendo...
O reflexo se irrita mais
-QUEM?!
O homem não sabe o que dizer
O reflexo começa a gritar, a cada palavra a sua ira aumenta
-QUEM? QUEM? QUEM? QUEM? QUEM? QUEM? QUEM? QUEM? QUEM? QUEM? QUEM? QUEM? QUEM? QUEM? QUEM?QUEM? QUEM? QUEM?
O homem não consegue pensar, não sabe o que aquela imagem quer, não sabe o por que de tanto ódio, aquele não é ele, não pode ser ele tem que ser outra pessoa, precisa ser outra pessoa, por que ele não pode ser assim ele não quer ser assim, tão furioso, tão irado, quem é aquele que grita no espelho, quem era o menino? que rua era aquela quem eram as vozes que traziam o medo?, quem era aquele homem que pensava em todas essas questões? Qual era o seu nome? quem era ele? quem?
-Quem sou eu?
A imagem para de gritar, o homem levanta os olhos e fita os do reflexo, o reflexo rí debochado e fala com a mesma voz que era do homem.
-Exatamente

segunda-feira, novembro 22, 2010

Prêmio Dardos

Este Honórável Blog recebeu pela Incrível Marie do também incrível blog Literatura e Gostosuras  um selo do  Prêmio  Dardos. Eu fiquei muito animado, quando comecei este blog eu só queria eternizar as poesias patetas que eu guardava no meu caderno velho e foi crescendo junto comigo, ganhando mais conteúdo, ficando mais denso, agora que ganhei o primeiro selo posso fazer de tudo, posso até dominar o mundo, um Post de cada vez.



Segue a proposta da homenagem:
"Prêmio Dardos é o reconhecimento dos ideais que cada blogueiro emprega ao transmitir valores culturais, éticos, literários, pessoais, etc... que, em suma, demonstram sua criatividade através do pensamento vivo que está e permanece intacto entre suas letras, e suas palavras.”

A seguir os Blogs que eu indico pro Selo 

Fla http://covildafla.blogspot.com/


Valeu a você que lê essas besteiras e Valeu Marie, te devo mais uma hauahuahu

domingo, novembro 21, 2010

Ícaro e o sol

Uma figura cabisbaixa vencia lentamente as dunas de areia areia da cor do sangue da estrela que morria mais uma vez, levou várias horas naquela caminhada, o dia inteiro se arrastando pelo deserto, desde que, enquanto observava o céu da noite e se dedicava a  contar a idade dos cometas, sentiu no seu ouvido surgir  o silêncio explosivo que o  sol  produz ao nascer.

-Está tudo parado... - Sussurrou, assustado, quando ouviu da primeira vez, há muito tempo, mais do que alguém possa contar.

Ícaro vagava sem olhar para frente, encarava os próprios pés que caminharam mais passos que o número de folhas em todas as florestas, carregava comida nem bebida, não precisava mais de nada para viver além da sua própria vontade, levava somente uma cítara amarrada ás costas e uma velha bolsa que exalava um cheiro doce de canela, seguia para o horizonte há muito tempo buscando o limite do mundo, onde se desenha a linha do horizonte, se orientando pelas lamúrias e pelo calor que o sol na febre da morte produzia,   aprendera, quando o mundo ainda era novo, que o sol como tudo que é naturalmente vivo eventualmente morre. 

-Escute não com seus ouvidos, mas como um todo, pois esta é a ultima vez.

Seu professor foi um homem, um dos primeiros, que foram perecendo conforme o mundo se expandia e degradava, seu nome era o que hoje pode ser traduzido como "o que espera"  já era muito velho quando Ícaro o conheceu, vivia  junto com as nuvens, no monte que toca o céu, lá ensinou a ler o vento,  sentir a água, falar com a terra e a ouvir o fogo, falava sobre a natureza do universo, que esse era muito antigo, era anterior ao próprio tempo, mas antes do tempo existir o universo era parado, estático, morto.

-O tempo começou com o movimento. 

Falou o professor enquanto olhava as nuvens.

- O tempo começou quando o universo começou sua primeira respiração.

Caminhava olhando para o alto, distraido pelo movimento do mundo, não precisava olhar o caminho, ambos já se conheciam muito bem, Ícaro seguia atrás, buscando naquilo significado.

- Uma respiração longa, longuíssima, ainda estamos na inspiração, quando o universo se enche, cresce, e frutifica a cada gota de chuva, cada estalo de um galho pisado, é tudo maior que antes é tudo mais vivo, mais sólido a cada segundo passado, eu faço parte desse mundo de natureza ascendente, o crescimento dele é o meu crescimento e evidentemente sua morte é a minha morte também, vai haver um tempo, depois do meu tempo, onde a ordem das coisas se alterará, ao invés de crescer elas encolherão, ao invés de viver morrerão, serão mais secas, finas e etéreas a cada novo momento, o universo vai ficar mais frio e morto até que a respiração termine, e com ela acabe o tempo, haverá um tempo depois do tempo, mas nem meus olhos e nem seus olhos poderão ver a natureza desse novo tempo, porque não pertencemos a ele, só conhecemos o que podemos conhecer, vida e morte, inspiração e expiração, são dois lados da mesma moeda, dois polos dos mesmo lugar, um completa o outro, sem um, o outro não tem significado.

Quando chegou ao fim do caminho, se depararam com um grande mar branco  feito das nuvens que rodeavam o monte, "aquele que espera" se virou e olhou Ícaro, sorriu e falou:

-Quando quiser conhecer sobre a natureza da vida, você precisa conhecer primeiro sobre a natureza da morte

E se foi, sumiu dentro das nuvens, para não ser visto nunca mais por nenhum par de olhos novamente

Quando Ícaro  deixou o monte que toca o céu ele decidiu iniciar sua peregrinação em busca da natureza da vida e da morte afim de compreender a natureza do universo em si, conheceu os mitos sobre como surgiu a vida e a morte no mundo, buscou cada significado cada palavra que pudesse explicar, cada história e por fim conheceu a mais antiga delas, a história da vida e da morte do sol

Foi de uma criança que Ícaro conheceu a historia sobre a vida e a morte do sol,depois de muitos anos, quando o mundo havia mudado e havia agora um novo tipo de homem, aconteceu  quando passava por uma cidade que só havia o sol seis meses por ano, foi nos dias de noite, enquanto caminhava nos próprios pensamentos que Ícaro ouviu  uma menina com olhos cor de mel enquanto penteava os cabelos de uma boneca feita de pano que recitava distraída essa canção a muito esquecida pelas pessoas do mundo 

-Gira gira, gira mundo que do escuro profundo o sol vai acordar, vai esquentar o ar com seu choro de vida, vai ficar lá em cima de tudo vai esquentar todo o mundo e depois desabar, vai morrer devagar até apagar e a noite surgir para fazer a vida sumir para fazer o mundo girar

Ícaro não velho mas não mais jovem decidiu então perseguir o sol, estudar o seu nascimento e sua morte e entender sobre a sua natureza, não queria simplesmente observar o nascer e o por do sol. mas conhecer sua origem e seu fim, foi até o seu berço, o seu lugar de nascimento, onde o primeiro raio toca a primeira folha.


Passou anos pesquisando e todas as fontes apontaram o mesmo lugar, o maior monte do mundo, que fica no extremo oriente, Ícaro foi até la, e levou presentes para oferecer ao sol nascente, levou erva de fumo e fogos de artifício feitos por um povo antigo e sábio na dominação do fogo, Ícaro demorou doze meses pra chegar ao topo do monte, calculou sua viagem para sua chegada coincidir com o dia em que o sol nasce mais devagar, queria ter tempo para observar todas os detalhes que pudessem ser úteis na sua ponderação sobre a natureza do universo. quando chegou a hora ele estava lá. sentou no topo do monte, retirou a erva de fumo e um cachimbo pequeno da bolsa e fumou enquanto o sol saia da noite, Ícaro sentiu mais uma vez o som do silêncio profundo, como se todo o mundo parasse pra observar o sol revivendo, durante aquele minuto tudo ficou mudo, calado, o sol apareceu acanhado e esticou o seu primeiro raio que atingiu Ícaro no centro da   sua testa. e ele entendeu, ele viu, ele soube finalmente sobre o sentido da vida.


-Então é isso...-Falou abismado sorrindo


E então ria, gargalhava como uma criança no topo da montanha solitária, só quando o sol já tinha se posto novamente é que ele parou de rir, acendeu os fogos e ficou observando eles explodirem, quando não tinha mais nada a ser queimado e a erva de fumo tinha terminado ele deixou o monte, com metade da sua resposta, já conhecia o sentido da vida mas para compreende-lo precisava conhecer a morte, e partiu buscando o lugar da morte do sol. onde seu último raio toca o mundo.


-É quase o tempo certo... -Falou enquanto o sol morria mais uma vez


-Ícaro já seguia agora a anos no deserto, desde que ele deixou o monte onde o sol nasce procurou em todos as bibliotecas, relicários, nas paredes de templos antigos, nas canções que os monges entoavam até entrar em transe, mas foi em um pequeno cemitério, quase invisível entre dois grandes prédios, em uma cidade enorme onde as pessoas se ignoram e só caminham sem olhar para os lados que ele encontrou seu caminho, embaixo de muitas folhas e galhos um túmulo jazia abandonado, com um mármore branco encardido e estas palavras escritas em granito negro: "meu corpo parou e minha alma voou para o fim do mundo foi para onde o sol parte foi para onde o tempo não mais corre se foi, para onde tudo que vive morre"


-Onde tudo que vive morre...


O fim das dunas era o sinal que ele finalmente havia conseguido deixar o deserto, era meio dia ainda o sol ainda reinava forte, o chão foi deixando lentamente a areia, passando a ser uma de pedra escura e fria, no fim desse caminho estava o enorme precipício o limite do mundo onde o dia e noite se dividem, no céu, com o tom dourado que o sol lhe dava, Ícaro via todas as almas que partiam transformadas em linhas prateadas, elas dançavam como fumaça, e estavam paradas esperando o sol se por.


O sol começou a cair, Ícaro se sentou á beira do abismo, retira da bolsa incenso de canela e deixa ele queimar, apanha a cítara e toca num ritmo lento, deixando o ar se encher com a fumaça perfumada e a musica sobrenatural, o sol vai caminhando lento e começa a entrar no abismo, as almas que antes esperavam agora o seguem e fazem seu funeral uma multidão prateada seguindo um gigante de fogo, a cada nova nota os dedos de Ícaro vão se enfraquecendo, o incenso vai chegando ao fim, o som da cítara  vai se perdendo, ficando mais  distante até que no último instante, quando o ultimo raio o toca nos olhos, Ícaro para de tocar, ele chora um choro sem lágrimas, seu desespero é silencioso mas não menos intenso, não há menos sofrimento só há respeito pelo astro morto.


-Tão triste e tão lindo... 


O homem que perseguiu o sol agora não teve mais motivo pelo qual viver, tinha seu objetivo cumprido, tinha finalmente  compreendido, e chegado ao fim do seu tempo, quando o  último raio deixou seus olhos levou com ele a sua luza cabeça frágil do homem velho tombou levemente de lado, ele morreu levemente sorrindo, pela sua orelha saiu uma linha dourada de fumaça ela subiu alto como se reconhecesse esse nova natureza, como se nascesse para um novo mundo e foi seguindo atrás da multidão prateada, atrás do sol sepultado, deixando para trás essa antiga existência em direção a esse novo infinito desconhecido