domingo, dezembro 19, 2010

Por trás do espelho Capitulo 1 parte 2


Eduardo abre os olhos e os fecha em seguida, a luz do sol nascente que invade o quarto os fere, machuca, seu corpo quer dormir novamente mas um som irritante não permite a mente de fugir, um apito insistente que aumenta pouco a pouco, em segundos se torna insuportável, reverbera pelo comodo como se ele estivesse em uma caverna profunda, o mundo se torna aquele som, o maldito som, até que Eduardo desiste, estende o braço direito, estica quatro dos seus dedos e apanha o celular da cadeira.
-Merda...
A tela do aparelho mostra em letras ofuscantes o motivo do alarme
-“Você tem três mensagens”
A mente de Eduardo comanda que seu corpo se sente para dar mais atenção ás mensagens, com um certo esforço o corpo atende à ordem, mesmo no quarto fechado ouve-se todo o som vindo da rua, os carros, os cães que latem a todo o estranho que passa e a conversa entre duas velhas sobre o filho de uma terceira, Eduardo sentado à cama divide as mãos em duas tarefas a mão direita se dedica a procurar o conteúdo da mensagem, a esquerda coça a barba, os olhos se acostumam à luminosidade, focam as letras e iniciam a leitura.
Você ganhou um CROSS FOX ! Ligue para 834423...”
-Besteira...
Passa para a segunda.
Edu, a gnt tem que se ver, ñ dá pra fcar assim, tô preocupada com vc, cê tá long, tá frio comigo, eu gsto de vc cara, ñ faz isso, me liga, logo! Ass Flávia”
-...Que droga Flávia...
Eduardo se levanta, anda pelo quarto, com as mãos na cabeça, lá fora o som aumenta gradualmente, os ônibus e as babás com as crianças que vão pra escola se juntam à fauna sonora, agora ele se sente completamente acordado, irritado e frustrado, não há nada errado com ele, ele sempre foi o mesmo, sempre foi assim, desde sempre, ela que mudou.
-desde sempre...
Joga o celular na cama e vai para o banheiro, lembra de ter sonhado algo sobre aquele banheiro, alguém gritando. Há um monte de roupas jogadas no canto, mas isso não importa agora.
-O espelho...
O espelho está lá, no mesmo lugar de antes, no mesmo lugar de sempre, o mesmo espelho,normal, desde sempre
-desde sempre
Abre a torneira na pia, ela emperra um pouco mas cede logo, Eduardo estranha, teve a impressão que seria preciso mais força, era só impressão, lava o rosto, e se olha no espelho, o rosto oval, os mesmos olhos negros, mas agora cansados, desbotados com cabelo preto rebelde na altura destes, tem um nariz comprido, fino, afiado, a boca fraca e descolorida, por falta de uso, o rosto é coberto de barba rala, que Eduardo apara diariamente, como um ritual, é semi religioso.
Eduardo depois de reconhecer e inspecionar o próprio rosto apanha barbeador, não usa creme de barbear, não vê necessidade, Flávia sim, reclama de como o rosto dele fica áspero. A lâmina atravessa sem vacilar os pelos que insistem em infestar a face de Eduardo, o contato do metal frio com a pele geralmente lhe causa arrepio, medo, repulsa, mas não agora, naquele momento o toque conforta, naquele instante é diferente, ali ele domina a lâmina, é uma sensação de poder, de superioridade, Eduardo de repente sente-se bem, esquece de Flávia, do trabalho entediante com colegas hipócritas, naquele momento isso não existe, Eduardo é pleno, é enorme, é gigante, é completo.
Banho tomado Barbeado, vestido e agora se sentindo miserável como sempre Eduardo se prepara para sair, apanha a mochila, a carteira, as chaves e avança para a cama, vai apanhar o celular, as letras ainda persistem brilhando fracamente na tela.
Você tem UMA mensagem não lida”
O polegar direito de Eduardo aperta o botão sobre o comando LER
IMAGEM 1000233 deseja abrir?”
Novamente o Polegar, agora sobre SIM
A imagem carrega lentamente e gradualmente os olhos de Eduardo se abrem e se aterrorizam, o rosto se contorce em horror, a boca solta um grito quase animal e a mão atira ,como quem quer afastar o próprio medo, o celular para longe, na tela brilhante do aparelho ,que agora repousa suave sob a cama, está a imagem completamente formada, a foto enviada expõe uma pessoa, um homem, em um lugar escuro, amarrado sentado á uma cadeira, e com os olhos parcialmente vendados, tem um objeto, algo muito semelhante a uma faca, uma faca comum de cozinha atravessando o lado esquerdo de sua cabeça, o rosto é irreconhecível, multilado por múltiplos cortes verticais, somente a boca se destaca, aberta ao máximo, escancarada, o homem morreu gritando, o sangue que jorrou pelos cortes e o golpe de faca agora era todo o chão, por toda a imagem ali congelada na fotografia, tudo o que se podia ver era o morto sobre a piscina macabra de seu sangue. 

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