Meu pai havia chegado em casa, pude ouvir ele abrindo a porta. escondi rápido o caderno, joguei embaixo da cama, não queria que ele conhecesse esse lado do meu irmão que era um segredo, antes só dele mas agora meu também, me endireitei, e entrei na sala. meu pai não tinha nenhuma sacola, nenhuma compra pro armazém chegou muito antes do que devia, tudo aquilo era muito estranho, ele me olhou de cima a baixo e perguntou numa voz muito controlada.
-Onde tu estavas?
Respondi, não tinha motivo pra não
-No quarto do Antônio, meu irmão
Meu pai pensou antes de falar, podia ver isso e disse:
-E fazendo o que? Não tem nada teu ali
-Fui guardar um livro velho que ele havia me emprestado
Ele parecia distraído, preocupado, olhava muito pra fora e para o quintal
-Andas lendo demais, onde está tua mãe?
-Na Missa, ainda demora um pouco a voltar
-E por que não foste com ela? Não podes deixar tua mãe andando sozinha por ai, ainda mais hoje com tantos loucos na rua
-Pensei que Deus protegesse ela, pelo o que ela reza deve ter um anjo em cada ombro, reza tanto que nem lembra que tem família...
Senti o tapa de meu pai passar a centímetros no meu rosto
-Não... fale assim de sua mãe garoto
Ele parecia perturbado, mais do que jamais eu tinha visto, parecia que toda aquela fachada de homem pacato e pai de familia tinha caído de vez, eu um filho quase agredido não reconhecia o homem que acabara de quase me estapear, era meu pai, mas não era.
-Eu...
-Vai pro teu quarto, pro teu, e nenhum outro
Eu me arrastei chocado pro quarto, sei que falei demais, abusei, mas nunca tinha causado isso, devia ter desconfiado que acontecera alguma coisa
Passei três horas deitado no meio do meu quarto olhando o teto, contando as rachaduras. meu pai passou todo esse tempo sentado a mesa, com a cabeça entre as mãos e os olhos fechados, teria dado tudo pra saber o que ele pensava, até hoje eu não sei tudo, só o que ele me quis contar.
Ao meio dia minha mãe chegou, ao meio dia e cinco meu pai diz o porque de não ter trazido as mercadorias, ao meio dia e nove ele diz que meu irmão, Antônio, morreu dois dias antes de malária aos dezenove anos no rio de janeiro, um amigo havia mandado um telegrama e meu pai o recebeu em Castanhal, ao meio dia e doze minha mãe começa a chorar, meu pai fica calado ao seu lado e eu do meu quarto não consigo acreditar que o passarinho que tinha escrito o poema no caderno velho não vai poder novamente voar
Lindo!
ResponderExcluirAh, esse foi pra chorar né?
Essa frase "O passarinho que tinha escrito o poema no caderno velho não vai poder novamente voar." foi perfeita!